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01 de outubro, 2020

Entrevista: Sono e sua relação com a saúde

Entrevista: Sono e sua relação com a saúde

Nesta terceira e última parte da entrevista, a presidente da Associação Brasileira do Sono, Dra Andrea Bacelar, nos conta mais sobre sono e sua relação entre com a saúde, o papel dos médicos no que envolve tema e sua visão de futuro sobre a consciência da importância do sono. Confira:

– Então, como convencer as pessoas a dormirem a quantidade de horas adequada de sono? E afinal, qual é essa quantidade?

Existem muitos estudos que usam como marco mínimo seis horas diárias de sono. E que mostram as graves consequências em longo prazo de dormir menos do que essas seis horas. 

Mas temos que individualizar as queixas e os hábitos de cada um. O médico tem que tentar atingir cada paciente explorando aquilo que ele não quer perder de jeito nenhum.

Falar para um homem, por exemplo, que se não dormir corretamente não irá conseguir perder peso, não adianta. Falar nos riscos cardiovasculares, talvez. Mas se disser que se não mudar sua rotina de sono ele ficará impotente, tenho certeza que esse homem vai mudar.

Por outro lado, falar para uma mulher que poderá perder o emprego pelo mau desempenho, provavelmente não terá tanto impacto se comparado à hipótese de adoecer e não poder mais cuidar com o mesmo zelo de seu filho. 

Eu acho que se, às vezes, não explicarmos com estatísticas as consequências da privação do sono, as pessoas nunca acharão que irá acontecer com elas. Ninguém pensa que vai ter um infarto, que irá ficar hipertensa grave ou que terá uma síndrome metabólica com obstrução de carótida. Não acham que isso possa acontecer só porque dormem mal, não enxergam uma relação de causa e efeito.

Entretanto, dez anos depois, chega aquele mesmo paciente numa cadeira de rodas, porque não mudou seus hábitos e o pior aconteceu.

– E a insônia, doutora? Tem sido muito comum esse tipo de queixa no seu consultório?

Hoje em dia, aparecem muitos casais: um com insônia e o outro com apneia. O que tem apneia dorme e não sabe que dorme mal, o que tem insônia não consegue dormir porque o companheiro ronca, faz barulho ou se mexe demais.

Logicamente, existe uma insônia intrínseca, um estado de hiper-vigilância em que um ambiente inadequado agrava o quadro. A solução é tratar a família.

Agora, durante esta pandemia, ambos os transtornos aumentaram exponencialmente, um pelo ganho de peso,  falta de atividade física e aumento de consumo de bebida alcoólica e o outro pelos fatores precipitantes da pandemia: incertezas, desemprego, medo de adoecer, luto…

Outro caso são pessoas que trabalham em turnos ou que têm atraso de fase. Vão para cama às três horas da manhã e dormiriam até às onze. Mas a casa começa a funcionar às sete ou oito horas. As outras pessoas da família precisam entender que aquela pessoa funciona em um outro ritmo e necessita dormir até mais tarde ou também é o próprio indivíduo que se vê obrigado a acordar cedo por conta das obrigações.

Essa conscientização, esse respeito pelo sono e por sua importância precisa acontecer. 

– E quando a casa tem adolescentes, que dormem muito tarde e precisam acordar cedo para ir à escola?

Nós estamos com um projeto de lei, tentando mudar o horário escolar do Ensino Médio.

Porque sabemos, cientificamente, que o adolescente tem um atraso na curva da melatonina. Eles não dormem tarde apenas por estarem nas redes sociais com os amigos. Isto, na verdade, é uma consequência pela falta de sono. E como todos os adolescentes estão no mesmo momento de idade, todos estão com atraso de fase, frequentando redes sociais e com telas transmitindo a luz azul para a retina, diminuindo ainda mais a produção da melatonina.

Só que é impositivo as aulas escolares começarem às 7:00 horas da manhã. E o que acontece nos primeiros tempos de aula? Eles estão dormindo, eles não estão rendendo.

Hoje, na Califórnia é lei: o ensino do High School começa às 8:30.

O adolescente precisa dormir um tempo total de sono maior para não ficar obeso, para não ter transtorno de ansiedade, para não ter ideação suicida, para ter um rendimento escolar adequado, para conviver bem com a família.

Temos que entender o sono na sua totalidade, a ontogênese do sono.

– E o sono do idoso, Dra. Andrea?

O idoso tem outras peculiaridades. É preciso individualizar as queixas que são muito variáveis nesta faixa etária para ter um sono de qualidade.

Geralmente, descobre-se que já existe uma doença associada.

A questão é descobrir o que fazer para minimizar a doença de base e melhorar a qualidade do sono. Precisamos diminuir fatores de risco para doenças irreversíveis.

Nós estamos vivendo mais. Mas não adianta viver com má qualidade de vida, com sequelas, com grandes limitações.

– Nesses casos, a polissonagrafia é indicada?

É importante lembrar que a polissonografia não é um exame preventivo. Não faz parte dos exames comuns de check-up. Somente se houver algum indicador durante a anamnese ou no exame físico – como sobrepeso, cansaço, ronco, apneia testemunhada ou acordar referindo um sono não reparador – é que existem sinas e sintomas de algum transtorno de sono, sugerindo-se aí a busca de um especialista ou a solicitação de uma polissonografia como para complementar o check-up.

– Qual é então o papel do especialista, do médico do sono, e também da própria ABSono?

O que fazemos é informar o que é sono normal, o que é sono de qualidade. O que se pode esperar de um sono normal. Quantas horas de sono por faixa etária é o recomendado pela Sleep Foundation. Quais são as principais queixas que o paciente tem que possam estar associadas a uma questão de sono.

E na ABSono, com as Semanas de Sono anuais, tentamos abordar sempre um nicho diferente da população. Então, fazemos cartilhas, folders e ações diversas para informar sobre aquele tema.

– E os outros médicos, que ainda não são médicos do sono?

Todo médico precisa entender um pouco de sono.

A mulher não vai rotineiramente a um médico de sono. Mas ela vai regularmente a um ginecologista para fazer o seu preventivo. Então, o ginecologista é o profissional que conecta a mulher ao universo da saúde. Nesse momento, o ginecologista precisa fazer essa abordagem, ele precisa entender sobre sono.

Um ginecologista desinformado pode prescrever um benzodiazepínico, por exemplo, para uma queixa de sono, caso ele não seja um estudioso da área e pode acabar gerando uma dependência medicamentosa.

Assim é também com o cardiologista. As pessoas costumam ir ao cardiologista depois de uma certa idade, para checar se têm pressão alta ou não. O cardiologista tem que saber abordar como está o sono e também sugerir um especialista, se for o caso.

Outra questão é saber interpretar um exame de polissonografia. Não precisa saber dar o laudo, nem saber tudo sobre o exame. Mas, ao solicitar uma polissonografia, precisa saber diferenciar o que é sério, do que não é relevante.

Cansamos de ver pacientes com uma polissonografia de cinco anos na gaveta, em que já havia sinalização de algum transtorno e não foi tratado. Quando ocorre um evento agudo e procura o especialista, levando aquele exame antigo, as alterações já não são mais aquelas : provavelmente já se agravaram.

– Nessa pandemia que estamos atravessando, como fica o tratamento dos distúrbios do sono? 

Durante a pandemia, o que temos feito são boletins mensais do que pode e do que não se deve fazer. A própria polissonografia foi suspensa, por ser um exame eletivo.

Com isso, os especialistas autorizam o uso de pressão positiva empírica, mesmo não fazendo a polissonografia, caso saibam que o paciente tem um problema sério respiratório, que pode levar a consequências graves.

Atualmente, os serviços já reabriram, seguindo os protocolos de segurança.

– Para finalizar nossa entrevista, como você enxerga a evolução da conscientização do sono daqui a 10 ou 20 anos?

Acho que o desenvolvimento científico tem sido exponencial.

Tecnologias digitais, que hoje fazem parte da nossa vida, já modificaram o planeta.

A carga de estresse, a quantidade de problemas emocionais, mentais e de sono é de tal ordem que não é difícil ainda ter margem para piora. E a pandemia veio para agravar muito a prevalência de todos esses transtornos.

Assim como já existe na população uma certa conscientização de que exercício físico, de que alimentação balanceada são hábitos importantes, também está sendo inserido, a duras penas, que sono é uma necessidade fundamental para a saúde e para a vida.

Acredito que, a partir de agora, o que vamos ter é uma desaceleração. A busca por mais qualidade de vida, com menos competitividade e com menos eletrônicos é uma necessidade.

Nestes meses todos em que passamos o dia todo com essa tela na nossa frente, estamos exaustos.

Essa pandemia está mostrando que manter-se o tempo todo online, faz com que o desgaste seja maior, que o cansaço se agrave.

Precisamos desacelerar, precisamos dar um passo atrás. Não é com mais tecnologia que teremos mais qualidade de vida. E sim olhar mais para si mesmos e respeitar esse tripé da qualidade de vida: exercício físico, alimentação balanceada e excelentes noites de sono.

Leia também as demais partes da entrevista sobre medicina do sono e a relação entre sono e tecnologia.

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