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15 de fevereiro, 2021

Uma história do sono. Literalmente.

Uma história do sono. Literalmente.

História para boi dormir. Uma história para dormir. Um filme para pegar no sono. A associação do sono com a contação de histórias é algo que se traz desde a infância, quando os pais ou tutores usam essa ferramenta para acalmar até a criança mais agitada. Mas e ao contrário: e a história do sono?

A forma como a humanidade evoluiu no decorrer do tempo, desde o domínio do fogo até chegarmos à era das telas digitais, está intimamente relacionada à nossa capacidade de adaptação para responder às necessidades prementes de sobrevivência, que são próprias de cada conjuntura sócio-histórica. Com isso, nossos hábitos e comportamentos relacionados ao sono também sofreram mudanças e até mesmo ressignificações. Ou seja, ao moldar novos hábitos de vida, fatores culturais e tecnológicos também foram responsáveis por modificar a função do sono em nossas vidas.

Qualquer pessoa que seja fã de séries, filmes ou documentários de época é capaz de se lembrar dos hábitos de sono dos personagens e notar o quão diferentes eles são dos nossos. É um choque de realidade. Dormir é algo tão natural e instintivo que nem sequer paramos para pensar nisso e perceber que há pouco tempo dormíamos de maneira totalmente diferente. Quem dirá há milênios…

Os primórdios da história do sono

A escuridão total do céu somada à ameaça dos predadores significava um sono pouco após o crepúsculo na era Neolítica. Ao contrário dos seus antecessores, que dormiam em montes de palha, os neolíticos deram um passo adiante na sua qualidade de vida noturna, criando superfícies elevadas para descansar.

Nos milênios seguintes, os padrões de qualidade de sono continuaram evoluindo. Pesquisas arqueológicas encontraram uma espécie de espaço criado especialmente para dormir. O seu formato circular e que se assemelha mais a ninhos do que camas fez surgir a teoria de que a posição fetal era a preferida pelos nossos ancestrais.

O sono na Grécia antiga

Avançando mais alguns séculos, surgiram os primeiros estudos sobre o sono. Mesmo que algumas das teorias da época já tenham sido provadas equivocadas, esse foi um passo importante. Pela primeira vez as mentes mais brilhantes de uma era estavam tentando explicar como e por que dormimos.

Por volta de 450 a.C., o médico e filósofo grego Alcmeão de Crotona, que hoje pertence à comuna de mesmo nome na região da Calábria, na Itália, postulou que o sono era como um assomo de falta de consciência produzido pela drenagem de sangue da superfície do corpo. 

50 anos depois, Aristóteles já entendia que o sono era vital. Ele achava, porém, que dormir vinha de um repouso do coração e tinha associação com o sistema digestório.

Independente de onde os gregos acreditavam que vinha o sono, uma coisa é certa: eles entendiam a sua importância talvez como nenhuma outra civilização antiga. Prova disso é a existência dos Templos do Sono de Esculápio (ou Asclépio, em grego). Eles funcionavam como hospitais para que os doentes se curassem de suas doenças por meio do isolamento, introspecção e meditação. Dormir era visto como uma maneira de atingir estados de consciência mais elevados e de conexão com o divino, fazendo com que a enfermidade diminuísse em importância.

Na mitologia grega, Esculápio era educado na arte das ervas medicinais e das cirurgias e, portanto, o deus mais apropriado no panteão para os doentes e desesperados. Ainda hoje ele é considerado o Deus da Medicina. Seu Bastião é o símbolo para médicos do mundo todo, aparecendo inclusive no centro da bandeira da OMS – Organização Mundial da Saúde.

Nos séculos seguintes, pouco progresso foi feito nos estudos sobre o sono.

Renascença: luxo e sono bifásico

Toda a história do sono que caminhou a passos lentos nas eras anteriores começou a ganhar velocidade.

A era da Renascença, recordada por sua evolução social e artística, também viu uma mudança nos hábitos de dormir, que ganhou ares de luxo dentre as classes mais abastadas. Os colchões, agora mais parecidos com os que temos hoje, passaram a ser cobertos por tecidos caros como brocado, veludo e seda. Dormir bem era para poucos.

Dormir uma noite inteira, então, era inexistente. Desde a Odisséia de Homero já existiam citações ao sono bifásico, mas é no Renascimento que ele começa a aparecer na literatura com mais frequência. O descanso noturno era dividido em dois períodos, com um momento de despertar entre eles.

Mas nada de rolar na cama e ficar preocupado para os renascentistas. Eles aproveitavam esse tempo para orações, reflexão, sexo, leitura, visitas e atividades domésticas. 

“Este período era altamente valorizado na Europa Medieval como um momento de calmaria e relaxamento, quando os pensamentos e percepções se encontravam com os sonhos”, explica a autora Kat Duff em seu livro A Vida Secreta do Sono.

Outra prática comum antes da modernidade era o sono comunal, sobretudo entre as classes mais baixas. Em muitos casos, até os animais passavam a noite dentro de casa, evitando assim predadores e ladrões. As camas compartilhadas existiam até mesmo nas tavernas e paradores, com os viajantes compartilhando colchão com desconhecidos. 

A Revolução Industrial mudou a forma como vivemos e dormimos

A história do sono ganhou um grande protagonista no século XVII, com o surgimento das primeiras vestimentas criadas exclusivamente para o sono, batas que eram uma espécie de irmã mais velha das camisolas. Assim como com todas as novidades, no início essas peças ficaram reservadas às camadas mais ricas da sociedade da época.

Anos mais tarde, em 1729, o biólogo francês Jean-Jacques D’Ortous chegou à conclusão de que os seres vivos tinham organismos que funcionam em ciclos repetitivos e padronizados. Hoje em dia nós chamamos isso de ritmo circadiano, popularmente conhecido como relógio biológico.

Então chegou a Revolução Industrial, cujas longas jornadas e os rígidos turnos de trabalho nas fábricas obrigaram as pessoas a mudar o modo como elas iam para a cama. De repente, elas não tinham mais tempo para o intervalo entre os dois tempos de sono.

Essa migração para o sono monofásico não foi nada fácil. Empregadores ofereciam prêmios, ameaças ou multas para forçar os trabalhadores a conseguirem executar suas tarefas por um dia completo e aguentarem o trabalho até a exaustão.

O sono no Século 19: os bebês saem dos quartos dos pais e o mundo conhece a narcolepsia

Foi novamente um francês o responsável por um grande avanço na história do sono. O médico Jean-Baptiste Gélineau descreveu pela primeira vez, em 1881, a narcolepsia, doença que envolve uma baixa habilidade de regular os ciclos do sono, provocando sonolência diurna intensa e sono involuntário em momentos pouco oportunos.

Em seu trabalho sobre a narcolepsia, Gélineau usou os termos gregos νάρκη (narkē), que significa “dormência”, e λῆψις (lepsis), que significa “ataque”.

Na década seguinte foi a vez do sono infantil sofrer uma grande mudança. Meio século depois de a Rainha Vitória popularizar os carrinhos de bebê, os pais americanos começaram a ser incentivados por profissionais a tirarem os filhos pequenos de bercinhos ao lado de suas camas em favor dos berços estacionários em ambientes separados.

À época, acreditava-se que o vínculo forte entre uma mãe e seus filhos era sinal de fraqueza e que a separação estimularia a independência da criança. Isso também era mais uma demonstração de riqueza, já que eram poucos os que podiam se dar o luxo de ter um quarto extra para isso.

Descoberta e valorização: o século XX na história do sono

Chegamos ao século XX e a uma conclusão: o sono engatinhou nos séculos anteriores para voar na virada de 1900. Para o bem e para o mal.

Em 1903, nasceu a primeira pílula do sono, que em trinta anos já era uma das drogas mais usadas nos Estados Unidos. Na mesma época, o ritmo circadiano como conhecemos hoje foi compreendido.

A década de 20 foi especialmente brilhante para a história do sono. Em 1924, o médico moldavo Nathaniel Kleitman descobriu o sono REM – Rapid Eye Movement (sono de movimento rápido dos olhos) e seguiu estudando o porquê de dormir, consciência e os efeitos da privação do sono. Algumas de suas pesquisas são fundamentos da medicina de sono moderna utilizadas até hoje. 

Cinco anos depois, em 1929, foi publicado o primeiro estudo validado sobre o eletroencefalograma. As ondas cerebrais do sono foram descobertas durante essas pesquisas. Pouco tempo depois chegou a compreensão dos diferentes estágios do sono, que na época foram chamados de alfa, baixa voltagem, fusos, fusos mais random e ondas randômicas. 

Depois do final da Segunda Guerra Mundial, em 1953, uma descoberta assombrou os estudiosos e mudou o que eles entendiam sobre a atividade cerebral enquanto dormimos: o sono REM. Se os olhos se movimentam tão rapidamente enquanto dormimos, é sinal de que o cérebro funciona mais à noite do que se imaginava à época. 

Ainda nos Anos 50 foi feita a distinção entre os sonos REM e NREM e os estágios do sono humano foram rebatizados pelo romeno Franz Halberg, considerado o pai da cronobiologia. A nomenclatura de Halberg é a mesma que usamos até hoje.

A década de 60 foi marcada pela compreensão mais amplificada de diferentes distúrbios do sono. Entre eles está a apneia obstrutiva, que até então era considerada apenas um ronco excessivamente ruidoso. Parassonias e a urinação na cama foram identificadas como produtos do despertar do sono de ondas lentas.

Em 1970, a cidade de Stanford, na Califórnia, tornou-se o lar do primeiro centro de pesquisas do sono. 

Já nos Anos 80, finalmente foi feita a conexão entre o ritmo circadiano e a duração do sono, assim como outras descobertas revolucionárias. A relação entre dormir e o aprendizado e a confirmação da absoluta necessidade biológica do sono foram apenas algumas delas. 

Pode parecer algo que sabemos “desde sempre”, mas faz apenas 40 anos que temos a certeza que dormir é uma necessidade, não um luxo.

O novo sono no novo milênio

Um novo milênio começou com a teoria da homeostase sináptica de Giulio Tononi e Chiara Cirelli, que afirma que apenas o sono permite que as cadeias sinápticas se recuperem e diminuam a sua atividade com o objetivo de conservar a sua força.

Outros estudos também comprovaram a íntima relação entre sono e memória e mais consequências da privação do sono, como a baixa reatividade a estímulos e capacidade de julgamento prejudicada.

Os Anos 2000 também trazem a popularização das tecnologias do sono. Atualmente qualquer pessoa pode fazer um exame de actigrafia em casa. Se preferir pode adquirir alguma das dezenas de opções de smartwatches que analisam a qualidade do sono e entregam um relatório diário que permite uma reação imediata aos problemas noturnos. Hoje, já não é necessária uma polissonografia para saber se você está dormindo mal.

Mas se tem algo que essa geração pode deixar de legado para a história do sono é a consciência. Já sabemos o quanto uma alimentação equilibrada e a prática de exercícios físicos são importantes para a nossa saúde. Agora é a vez do sono. É preciso dormir para viver bem

Precisamos ressignificar o sono, que desde a Revolução Industrial passou a ser visto como perda de tempo. Mais recentemente, dormir pouco passou a ser considerado sinônimo de produtividade. Boa noite. Vamos escrever essa história juntos. Nós do Persono e você.

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